Por mais constrangedor que seja confessá-lo, quem é que não gosta de um refúgio para ir "beber" elogios? Quem é que não gosta de se sentir integrado? Quem é que não precisa de se sentir aceite e desejado? Há várias formas de o conseguir, mas o Instagram é a escapatória mais à mão de uma grande maioria das pessoas na sociedade contemporânea e digitalizada.
É ponto assente que as redes sociais têm importância e, se ainda subsistiam dúvidas disso, a pandemia que veio assolar o ano de 2020 pôs os pontos nos is e intensificou o seu uso. Troca de mensagens à parte, esta importância das redes, nomeadamente o Instagram, deve-se à procura de validação, como explicou a psicóloga e diretora da clínica Atitudes, em Lisboa, Helena Mendes: “Os likes ou os comentários são essa validação. Se eu publico algo mas não sei quem vai ver ou não tenho resposta, então nem tenho vontade de postar porque o meu intuito é causar impacto e/ou feedback no outro, por sermos seres comunicativos. Se obtenho um like, considero que a pessoa está a valorizar-me; se conseguir chegar a pessoas de outros continentes, então tenho uma ideia de sucesso e de expansão. Muitas vezes também nasce a ideia ilusória de ‘tenho muitos amigos, muitos contactos, as pessoas estão lá para mim’ porque, acima de tudo, não queremos ficar sozinhos.”
Mas naqueles dias em que damos algum descanso à publicação de fotografias e nos limitamos a passear avidamente pelo Instagram, enquanto fazemos paragens para gostar e comentar os posts dos outros, também batemos de frente com padrões irreais de Beleza. Toda a gente quer mostrar publicamente a sua melhor versão e, embora saibamos à partida que é manipulada (seja pelo ângulo, seja pela edição), o modo automático de comparação está ligado. Com isto, o impacto na auto-estima pode ser tanto maior quanto menor for a confiança.
O mesmo acontece com comentários depreciativos. Apesar de poder afetar sempre, há uma diferença colossal entre alguém que tenha construído uma imagem própria positiva, face a alguém que esteja constantemente refém da aprovação exterior. Segundo Helena, uma rede de suporte familiar no período da infância é a base para a construção de uma auto-estima sólida: “O valor que atribuímos a nós mesmos acaba por receber influências internas e externas, ou seja, é a minha percepção de mim mas, sobretudo nas crianças e até à adolescência, é muito influenciada pelos adultos cuidadores. Se foi passada uma boa imagem significa que há uma estrutura psicológica reforçada e, mesmo que as redes possam trazer uma certa desvalorização, mais facilmente vai questionar-se se o que a pessoa está a dizer tem validade ou não. O problema existe quando o contexto do jovem tem uma carência de base, tornando-o mais suscetível, já que tenta colmatá-la através dos likes. A longo prazo acaba por ser contraproducente, uma vez que se torna dependente da opinião alheia”. Mas, à parte do contexto familiar, pesa também as pessoas que vamos encontrando pela vida, os amigos que temos e os traços de personalidade que “podem ser facilitadores deste impacto negativo ou não”.
É de superexposição que vive o Instagram e, quando questionada sobre os motivos que levam a esta necessidade constante de mostrar, a psicóloga respondeu com motivações intrínsecas e extrínsecas: “Passa muito pela própria necessidade de querer ver quem reage, perceber o impacto que tem, ser aceite e desejado. No entanto, existe também a outra fatia que vai pelo sentido da ajuda, da partilha de experiências e estratégias, de dar visibilidade a alguma ação. Varia muito também com a idade. Numa faixa etária superior há, normalmente, uma capacidade de maturidade e reflexão maior, que pode levar a uma motivação diferente no uso das redes sociais.”
Quer se tenha autoconfiança ou não, certo é que o Instagram injeta sensações de prazer momentâneas, envolvendo e viciando numa bolha, como escapatória para fugir dos problemas reais. “O problema agrava-se quando nós continuamos infelicíssimos e continuamos a ver os outros felicíssimos”, comentou Helena Mendes. Mas, afinal, quem é que está sempre felicíssimo se não camuflar?
Inês Bispo tem 21 anos, conta com 11 mil seguidores no Instagram e atreve-se a confessar que já deixou a necessidade de aprovação levar a melhor: “Sempre quis agradar a toda a gente e, por isso, já me limitei bastante, não só nas redes sociais como na vida real. Já deixei de publicar conteúdo com medo dos que não iriam gostar ou concordar comigo. Antes nem fazia stories a falar, com vergonha da minha voz e expressão verbal em vídeo. Não queria comentários negativos sobre mim”, partilha a estudante de Educação Física e Desporto, na Universidade Lusófona em Lisboa.
A insegurança estendeu-se não só ao conteúdo que publicava mas também à forma como se sentia: “Eu queria ter o corpo de uma forma que a minha genética e o surf nunca permitiriam. Se visse corpos lindos, de bikini, facilmente me sentia desmotivada por achar que não me encaixava naquele padrão. Isso causava muita frustração, influenciando diretamente a minha auto-estima num sentido negativo”, salientou.
Um despertar de consciência, e uma mudança nas páginas que seguia, mudaram o rumo da história e do uso da plataforma. “Nos últimos dois anos e meio, tenho olhado mais para o meu interior e consciencializado muitas coisas sobre o mundo que me rodeia. O meu objetivo já não é conhecerem-me de forma muito voltada para o ego — é, sim, partilhar o meu lifestyle, potencializar o trabalho que estou a iniciar na música e, sobretudo, transmitir mensagens que impactem positivamente a vida do outro. Não acho que tenha de existir uma causa para se fazerem publicações no Instagram mas, pelo menos, devemos ser mais conscientes de nós próprios e percebermos qual a razão pela qual estamos a publicar determinada foto/story, o que pretendemos com isso. Fui-me também apercebendo que cada corpo é um corpo, e entender que não controlo a opinião do outro ajudou-me muito, embora às vezes caia nas armadilhas do ego.”
Ora existe alguma forma mais leve de usar o Instagram? Se a psicóloga Helena e a Inês estivessem frente-a-frente aquando deste diálogo, provavelmente diriam em coro que a base é o autoconhecimento. “O autoconhecimento fortalece a nossa personalidade, pois quando se recebe uma crítica é preciso refletir sobre se ela é real ou não”, disse a psicóloga. “Quanto mais forte for a nossa estrutura psicológica, mais difícil se torna sermos abalados. Além disso, devemos escolher muito bem os perfis/páginas que seguimos, tendo a certeza de que aquilo nos acrescenta algo, caso contrário, porquê continuar a consumir essa informação?”, finaliza Inês.
Ano novo, pensamento novo, vida nova.
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